sábado, 3 de maio de 2008


QUANDO CONVERSEI COM OS MAGOS DO ORIENTE.

Pastor Neucir Valentim

Era noite de natal, e como todo ano, antes da ceia, lia para os meus filhos a velha história bíblica da natividade descrita no Evangelho de S. Mateus, e contava-lhes acerca do nascimento de Jesus, falava-lhes dos magos do oriente, da fúria do rei Herodes quando soube do nascimento do menino Jesus, de Maria e José que prontamente receberam a mensagem angelical para fugir do perigo de morte que corriam por causa do rei Herodes, que mandara executar todos os meninos com menos de dois anos de idade, para assim eliminar o " rei dos judeus" que havia nascido em Belém.

Naquela noite, porém, depois de minha narrativa, fui dominado por uma sonolência gostosa. A partir daí a minha imaginação ficou fértil e então comecei de novo a pensar naquele relato bíblico, na bela história de natal. Logo dormi e sonhei.

No meu sonho eu estava nas remotas regiões montanhosas de Efraim, na Palestina, indo em direção a Jerusalém. Pelo caminho ermo, marcado por uma geografia árida, me vi montado em um camelo. Era noite, as estrelas no céu cintilavam como nunca, como se naquele dia elas estivessem em festa. Senti medo pois estava sozinho num local totalmente desconhecido. De repente percebi que em minha direção caminhava um grupo de pessoas em seus camelos e dromedários, semelhantes a beduínos do deserto. Com a cultura da violência na cabeça, temi por um assalto. Logo, porém, percebí que não eram beduínos. Caracterizavam-se pela tranquilidade no falar, pelas túnicas de linho fino e por turbantes excessivamente bonitos.

De imediato desejei travar um diálogo. Mas como? Não conhecia a sua língua. Lembrei-me, porém, que a linguagem dos sonhos não está circunscrita a cultura, povos ou línguas e, perguntei-lhes: - Para onde vão? Ao que me responderam. - "Vamos até Belém adorar aquele que é nascido Rei dos judeus, porque vimos a sua estrela no oriente". Pensei neste instante comigo mesmo: Conheço estas palavras, são da narrativa bíblica, e eles são os magos do oriente.

Logo identifiquei os seu nomes: Gaspar, Baltazar e Belquior, como nos ensinava a tradição cristã. A minha mente começou a vibrar ante a possibilidade de acompanhá-los e ver de perto o menino Jesus. Nisto, uma outra expectativa me surgiu na mente. Pela narração bíblica os magos iriam a Jerusalém e falariam ao rei Herodes sobre o nascimento do Messias, e isso provocaria no rei uma fúria tal que redundaria na morte de centenas de meninos na cidade de Belém.

Tratei de iniciar uma tentativa de demovê-los da ideia de falar com Herodes.

- Penso que vocês caminham até Jerusalém, não é verdade? - Sim, respondeu um dos magos - vamos até Herodes para contar-lhe a boa nova ! Isso me arrepiou. Então de forma delicada continuei: - Não seria perigoso informar ao rei Herodes acerca do acontecido, ele não ficaria furioso ante a possibilidade de perder o trono para um judeu de verdade, uma vez que ele nem judeu é, pois é um idumeu a serviço de Roma? Sim, isso é possível, disse-me o mago, admirando-se do meu conhecimento acerca da nacionalidade de Herodes.

O outro mago que estava próximo entrou na conversa. - Ocorre que Herodes é a antítese do verdadeiro rei, ele é um déspota, e todo déspota precisa saber que é um usurpador, porque muitas vezes acaba acreditando na sua própria mentira, a de que é um legítimo rei. Calei porque percebi que eles não eram ingênuos quanto a natureza de Herodes. Resolvi então ser mais claro. - Precisam evitar Herodes; ele é perverso e fará de tudo para se perpetuar no poder. O mago que estava calado até o momento, falou pausadamente. - Não se acaba com Herodes evitando-o ou até mesmo matando-o, ele sobrevive sempre, e haverá sempre um herodes em cada história, porque os herodes estarão sempre em todo lugar. Como? perguntei confuso. Respondeu-me em tom professoral. - Os herodes existem na história de todo mundo, eles representam aquele tipo de gente que faz de tudo para conseguir o que quer, nem que para isso tenha que pisar, maltratar, caluniar, mentir, difamar, bajular e até...matar. Os herodes representam aqueles que usam de artifícios para se perpetuarem no poder, no comando dos outros, exercendo influências. Os herodes representam também as tentativas de acabar com os nossos sonhos e nossas esperanças. Existe um Herodes hoje, mas amanhã surgirão outros em todo canto, nas casas, nas ruas, nas instituições e na religião.

- Na religião? Perguntei ao velho mago, atônito !

- Sim, não vê que o rei Herodes está construindo o maior templo dos judeus em Jerusalém? Muitas vezes eles se escondem nas atividades religiosas para ocultarem os seus verdadeiros intentos. Então interrompi. - Mas crianças morrerão quando Herodes tomar conhecimento do nascimento do menino Jesus! O sábio mago continuou. - Elas morrerão independente de irmos ou não a Jerusalém, até porque toda Jerusalém saberá do nascimento do Messias, mas Herodes continuará matando crianças. Lembre-se ! os Herodes estarão em todos os lugares, dentro das famílias como pais que matam a sensibilidade dos filhos através da crítica contumaz, através de esposas e esposos que perdem o respeito entre si, de governos que deixarão as crianças morrerem de fome, e as crianças que pelo Herodes de hoje morrerão à luz das nossas candeias, amanhã, no futuro serão mortas em grandes candelárias, porque encontrarão os herodes que as matem. Certamente, herodes continuará matando...

- Mas então, vocês vão falar com Herodes? Exclamei.

- Ele precisa saber que por mais que queira, ele não é o Rei de direito, e que é nascido o verdadeiro Rei, e por mais que ele queira matá-lo o Rei verdadeiro nunca morrerá; ele vencerá por sua simplicidade e pelo amor, este Rei é a fonte de nossa resistência contra toda tirania. É preciso ensinar-lhe que os reis herodes não se perpetuam, que o seu fim é triste e solitário, e que ainda existe razão para crer na justiça, ter esperança e crer que os sonhos podem ser realizados, porque aquele que nasceu é a resposta de Deus a todos os Herodes de hoje e de sempre, que este menino que nasceu é um libelo de acusação contra os que usurpam, contra o déspota e contra o perverso.

Fiquei sobremodo emocionado com suas palavras e corri para abraçá-lo, ao fazer despertei do sonho com minha filha me abraçando e dizendo: Feliz natal papai, Jesus nasceu !

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